Entrevista da Presidenta Dilma Rousseff - Vale a pena ler.
Valor: Qual o impacto do desastre no Japão sobre a economia mundial e sobre o Brasil?
Dilma Rousseff: Primeiro, acho que ficamos todos muito impactados. A comunicação global em tempo real cria em nós uma sensação como se o terremoto seguido do tsunami estivessem na porta de nossas casas. Nunca vi ondas daquele tamanho, aquele barco girando no redemoinho, a quantidade de carros que pareciam de brinquedo! Inexoravelmente, a comunicação faz com que você se coloque no lugar das pessoas! Essa é a primeira reação humana. Acredito, numa reflexão mais fria depois do evento, se é que podemos chamar alguma coisa de fria no Japão, acho que um dos efeitos será sobre o petróleo.
Valor: Aumento de preço?
Dilma: Vai ampliar muito a demanda de petróleo ou de gás para substituir a energia nuclear. Pelo que li, 40% da energia de base do Japão é nuclear. Os substitutos mais rápidos e efetivos são o gás natural ou petróleo. Acredito que esse será um impacto imediato. Nós sempre esquecemos da diferença substantiva entre nós e os outros países.
Valor: Qual?
Dilma: Água. Nesse aspecto somos um país abençoado. Não tenho ideia de qual vai ser a política de substituição de energia. Não sei como a Alemanha, por exemplo, vai fazer. Os Estados Unidos já declararam que não vão interromper o programa nuclear. Nós não temos a mesma dependência. Temos um elenco de alternativas que os outros países não têm. A Europa já usou todo o seu potencial hídrico. Energia é algo que define o ritmo de crescimento dos países e o Brasil tem na energia uma diferença estratégica e competitiva.
Valor: E tem o pré-sal. O governo poderia acelerar o programa de exploração?
Dilma: Não. Vamos seguir num ritmo que não transforma o petróleo em uma maldição. Queremos ter uma indústria de petróleo, desenvolver pesquisas, produzir bens e serviços e exportar para o mundo. Não podemos apostar em ganhos fáceis. Temos que apostar que o pré-sal é um passaporte para o futuro. Não vamos explorar para usar, mas para exportar. Queremos nossa matriz energética limpa e queremos, também, ter ganhos na cadeia industrial do petróleo. Esse é um país continental com uma indústria sofisticada e uma das maiores democracias do mundo. Não somos um paisinho.
Valor: A sra. acha que a tragédia no Japão vai atrasar a recuperação da economia mundial?
Dilma: Acredito que atrasa um pouco, mas também tem um efeito recuperador, de reconstrução. O Japão vai ter que ser reconstruído. É impressionante o que é natureza. Nem nos piores pesadelos conseguimos saber o que é uma onda de dez metros.
Valor: O esforço de reconstrução de uma parte do Japão deve demandar grandes somas de recursos. Isso pode reduzir o fluxo de capitais para o Brasil?
Dilma: Pode ter um efeito desses. Acho que vai haver um maior fluxo de dinheiro para lá e isso não é maléfico. Tem dinheiro sobrando para tudo no mundo. Para a reconstrução do Japão, para investir aqui e para especular.
Valor: O governo, preocupado com a taxa de câmbio, tem mencionado a necessidade de novas medidas. Uma delas seria encarecer os empréstimos externos para frear o processo de endividamento de bancos e empresas? A sra. já aprovou essas medidas?
Dilma: Primeiro, é preciso distinguir o que é dívida para investimentos do que é dívida de curto prazo. Imagino que quem está se endividando esteja fazendo "hedge". Todo mundo aí é adulto.
Valor: Mas o governo prepara um pacote de medidas cambiais?
Dilma: Tem uma coisa que acho fantástica. Às vezes abro o jornal e leio que a presidenta disse isso, pensa aquilo, e eu nunca abri minha santa boca para dizer nada daquilo. Tem avaliações de que um ministro subiu, outro desceu, que são absurdas. Absurdas! Falam que tais ministros estão desvalorizadíssimos na bolsa de apostas. Acho que o governo não pode se pautar por esse tipo de avaliação. Nenhum presidente avalia seus ministros dessa forma. E nenhum presidente pode fazer pacotes de acordo com o flutuar das coisas. Toma-se medidas que tem a ver com o que se está fazendo. Mas posso lhe adiantar algumas coisas.
Valor: Quais?
Dilma: Eu não vou permitir que a inflação volte no Brasil. Não permitirei que a inflação, sob qualquer circunstância, volte. Também não acredito nas regras que falam, em março, que o Brasil não crescerá este ano. Tenho certeza que o Brasil vai crescer entre 4,5% e 5% este ano. Não tem nenhuma inconsistência em cortar R$ 50 bilhões no Orçamento e repassar R$ 55 bilhões para o BNDES garantir os financiamentos do programa de sustentação do investimento. Não tem nenhuma inconsistência com o fato de que o país pode aumentar a sua oferta de bens e serviços aumentando seus investimentos. E ao fazê-lo vai contribuir para diminuir qualquer pressão de demanda. Hoje, eu acho que aquela velha discussão sobre qual é o potencial de crescimento do país tem que ser revista.
Valor: Revista como?
Dilma: Você se lembra que diziam que o PIB potencial era de 3,5%? Depois aumentou, e baixou novamente durante a crise global, pela queda dos investimentos, não? E aumentou em 2010, com crescimento de 7,5% puxado pelo aumento de bens de capital. Então, isso não é consistente.
Valor: A sra. comunga ou não da ideia de que é possível ter um pouquinho mais de inflação para obter um pouco mais de crescimento?
Dilma: Isso não funciona. É aquela velha imagem da pequena gravidez. Não tem uma pequena gravidez. Ou tem gravidez ou não tem. Agora, não farei qualquer negociação com a taxa de inflação. Não farei. E não acho que a inflação no Brasil seja de demanda.
Valor: Não?
Dilma: Pode ser que essa seja a divergência que nós temos com alguns segmentos. Nós não achamos que ela é de demanda. Achamos que há alguns desequilíbrios em alguns setores, mas é inequívoco que houve nos últimos tempos um crescimento dos preços dos alimentos, que já reduziu. Teve aumento do preço do material escolar, dos transportes urbanos, que são sazonais.
Valor: E a inflação de serviços que já passa de 8%?
Dilma: Há crescimento da inflação de serviços e isso temos que acompanhar. Mas o que não é possível é falar que o Brasil está crescendo além da sua capacidade e que, portanto, tem um crescimento pressionando a inflação. O mundo inteiro, na área dos emergentes, está passando por isso. Houve um processo de pressão inflacionária que tem componente ligado às commodities e, no Brasil, tem o fator inercial. Mas é compatível segurar a inflação e ter uma taxa de crescimento sustentável para o país. Caso contrário, é aquela velha tese: tem que derrubar a economia brasileira.
Valor: Derrubar o crescimento?
Dilma: Nós não vamos fazer isso. Não vamos e não estamos fazendo. Estamos tomando as medidas sérias e sóbrias. Estamos contendo os gastos públicos. Tanto estamos que os resultados do superávit primário de janeiro e fevereiro vão fechar de forma significativa para o que queremos. Vamos conter o custeio do governo. Estamos esfriando ao máximo a expansão do custeio. Agora, não precisamos expandir o investimento para além do maior investimento que tivemos, que foi o do ano passado. Vamos mantê-lo alto. Olhe quanto investimos em janeiro: R$ 2,5 bilhões pagos. O pessoal fala dos restos a pagar. Ninguém faz plano de investimento de longo prazo no Brasil sem fazer restos a pagar.
Valor: São mais de R$ 120 bilhões. Não está muito alto?
Dilma: Por quê? Ou nosso investimento é baixo ou é alto. Eu levei dois anos - 2007 e 2008 - brigando para fazer a BR-163, entre o Paraná e o Mato Grosso. É todo o escoamento da nossa produção e agora ela decolou. Está em regime de cruzeiro. Estamos nos preparando para ter uma forte intervenção nos aeroportos.